MARIA FERNANDA SALVADORI PEREIRA

CRP 912612

MARIA FERNANDA SALVADORI PEREIRA

CRP 912612

Como identificar problemas emocionais na juventude? 

 Muitas vezes os pais veem o filho sofrendo e podem ficar em dúvida sobre se deveriam procurar ajuda profissional. Pode surgir a questão se seria uma “coisa da idade” ou algo que eles deveriam superar por si mesmos. Em relação a essas perguntas, seguem algumas considerações. 

A adolescência é um momento de reestruturação de personalidade. A combinação complexa e dinâmica de mudanças biológicas com novas exigências do universo social e afetivo têm impacto na maneira de ser. Em geral isso implica um aumento da autoconsciência quanto às próprias ações, às expectativas e avaliações alheias. Nessa perspectiva quem foi uma criança agitada e conversadeira pode se tornar uma adolescente mais reservada. Uma criança passiva e que “nunca incomodou” pode se tornar um adolescente mais combativo, em função do desejo de ser reconhecido e buscar autonomia. 

 As mudanças hormonais tem um papel na flutuação do humor, mas sozinha, não explicam o porquê desta ser uma fase desafiadora em termos de saúde mental (ler artigo). Então, deve-se ter em mente que as mudanças comportamentais que iniciam na puberdade implicam certa bagunça sim, mas são graduais e até certo ponto compreensíveis. Mudanças bruscas, dramáticas e aparentemente sem explicação merecem atenção. Idem para dificuldades prévias que perduram ou pioram.

Zonas de alerta

Pensando que os pais podemficar confusos em diferenciar até que ponto uma mudança também é um sinal de alerta, elaborei uma lista de problemas comuns, baseados em experiência e nas fontes citadas no fim deste artigo. [1][2].

Evitar a família

É normal que os adolescentes se tornem mais reservados ou cautelosos com os pais. Mas o isolamento repentino – e a evitação da família – pode representar um problema mais profundo. 

Problemas na socialização

Esse tópico abrange comportamentos como o “retraimento excessivo”, que implica dificuldades ou  mesmo pouco interesse em socializar com pares. Também comportamentos inadequados, estranhos ou pouco habilidosos.

Rebaixamento no funcionamento geral

Perda de interesse em atividades e/ou prejuízo no desempenho escolar merecem atenção. Note também se houve piora na memória, concentração ou se está com mais dificuldade de se expressar verbalmente.

Estar sempre irritado

A irritação constante ou a raiva crônica é um indicador inespecífico de muitos problemas de saúde mental. Já a raiva explosiva, em particular, pode levar a problemas significativos na escola e nos relacionamentos. 

Pensamentos recorrentes de autodepreciação ou desesperança

Você pode notar essa tendência na maneira como ele habitualmente fala de si mesmo ou do mundo. Neste padrão, também pode haver uma predisposição a ficar remoendo experiências adversas, como as que causaram humilhação ou constrangimento, por exemplos.

Comportamento desafiador

Comportamento desafiador (quebra de regras, fugas, mentiras) e violento em adolescentes, quase sempre é um indicador de saúde mental. Embora não costume causar compaixão para quem olhe de fora, pode haver muito sofrimento envolvido. Pode, por exemplo, indicar uma percepção incorreta das situações e intenções alheias, ou ser uma maneira deslocada de responder a necessidades de reconhecimento e atenção. A punição e o confronto direto não apresentam resultados no longo prazo. 

Autolesão 

Um comportamento variado, que não se restringe aos cortes na pele (leia artigo). 

Reclama de ansiedade ou se mostra excessivamente preocupado

Seja com o desempenho, com a saúde própria ou de familiares, reações fisiológicas, situações sociais, alimentação, aparência…Enfim, este é um item que pode ser bastante extenso. Observar, por exemplo, a recorrência da questão “E se (tal coisa acontecer)?”. A antecipação de eventos negativos é comum e mesmo necessária à prevenção e organização. Quando excessiva, denota insegurança e conduz à evitação de experiências fundamentais. 

Dificuldades de adaptação 

A vivência de eventos adversos ou estressantes (perdas, divórcio dos pais, mudança de cidade) demandam sempre um tempo de reorganização. Tome perspectiva da situação e leve em conta se existe progresso e qual a extensão das áreas da vida que foram afetadas. 

Será que não se resolve com o tempo?

O sofrimento é engrenagem fundamental do movimento da vida. Quando compatível com os recursos que o indivíduo dispõe, humaniza e induz à busca de soluções mais genuínas. Mas nem sempre é assim. Quando por complexasrazões não se dispõe de recursos à altura, resulta em estagnação e disfuncionalidade.

Até pouco tempo atrás, não se dispunha de estatísticas suficientes em saúde mental quanto ao melhor momento de iniciar tratamento. Uma revisão de pesquisas longitudinais (que estuda grupos de indivíduos em vários momentos da vida) aponta que a abordagens especializadas nessa faixa etária e que abordam sinais de risco de maneira preventiva (i.e. antes que um quadro completo se instale), apresentam larga vantagem [3].O desafio com adolescentes é que os pedidos de ajuda raramente são diretos. Frequentemente  o medo de incomodar ou decepcionar os pais (os adolescentes são bastantes rígidos, é importante lembrar) faz com que  sintam que estão errados simplesmente e  evitem a busca deste apoio. O desejo de autonomia (“eu tenho minha vida e minhas questões privadas”) também é algo que os deixa pouco confortável a partilhar suas experiências de aflição com a família.  A aceitação do processo terapêutico melhora muito quando a família reconhece o problema e se foca nas possibilidades de combatê-lo. E não na melhor atribuição da culpa.

Fontes:

1. ASEVEDO, G.R.C. Estadiamento clínico e identificação de risco para transtornos mentais: apresentação de modelos teórico e empírico como propostas de prevenção em saúde mental. Tese em Ciências . UNIFESP. Disponível em: https://repositorio.unifesp.br/items/f7d6c9f3-5250-4ccc-a801-b49bc75f223c

    2.ZANON C. et al. Relações entre pensamento ruminativo e facetas do neuroticismo. Estudos de Psicologia (Campinas). 2012. Disponível em:  https://www.scielo.br/j/estpsi/a/JpwDXbvqQ839WbpF9x4Tj7q/

    3.UHLHAAS P.J. Towards a youth mental health paradigm: a perspective and roadmap. Mol Psychiatry. 2023. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41380-023-02202-z

    ESTÁ GOSTANDO DO CONTEÚDO? COMPARTILHE!