Quando se pensa em juventude é bem estabelecido que se trata um período favorável à aprendizagem e educação formal. Mas é relativamente desconhecido o fato dessa ser uma fase sensível em saúde mental. A faixa etária entre os 12 e 24 anos aproximadamente, é quando iniciam 70% dos transtornos codificados. E o modo como são abordados os primeiros sinais de mal-estar interferem na prevenção ou severidade desses transtornos [1]. Portanto quando se fala que algo é “critico”, se reconhece uma moeda de duas faces: representa tanto vulnerabilidade, como grande oportunidade.
Potencial
No cenário das pesquisas neurocientíficas, as tecnologias de imagem têm proporcionado uma compreensão mais aprofunda da interdependência entre genética e ambiente. A neuroplasticidade – a reorganização das conexões cerebrais através a experiência – é um fenômeno de toda uma vida, mas com diferentes janelas de oportunidade. Na juventude a plasticidade é particularmente alta nas áreas do córtex pré-frontal e sistema límbico. Especificamente em áreas relacionadas com as funções executivas e a cognição social [2]. Essa adaptabilidade neural é oportunidade para o aprendizado a partir de experiências e capacidade de testar novas situações com menos resistência. Também é uma fase interessante para a incorporação de habilidades sociais e comportamentais, que por sua vez são recursos valiosos nesse momento de renascimento sóciopsicológico. No plano do pensamento (ou cognitivo), a maior capacidade de abstração e introspecção possibilita estratégias terapêuticas reflexivas, assim como estratégias orientada por valores.
Vulnerabilidades
A juventude é um período especialmente vulnerável a um tipo de estresse induzido pelo isolamento social. O peculiar funcionamento de áreas envolvidas na cognição social (especialmente entre os 11-15 anos) deixa os jovens particularmente sensíveis à perspectiva dos outros: nessa fase a atenção é duas vezes maior às pistas de rejeição social que as de tratamento igualitário [3]. E para piorar, há considerável imaturidade na compreensão da intenção alheia. A tendência é se relacionar a partir de hipóteses egocêntricas. Exemplo: pode-se pensar que um olhar distraído de um colega tem duas vezes mais chances de ser interpretado um como sinal de desdém ou humilhação. (Se já há outros motivos contextuais ou imaginários que me colocam à margem, isso reitera que sou mesmo ruim ou inferior). Outro exemplo (noutra pegada): um esbarrão acidental no corredor pode ser um sinal inequívoco de que alguém “quis me fazer de idiota” e “pede um soco no meio do nariz”. A consequência desse viés egocêntrico e negativo reflete na dificuldade de se regular (controlar, decidir o que fazer) quando a fonte de estímulo são os pares. Nisso, os adolescentes perdem até para crianças de sete anos! Também é a busca por gratificação nesse contexto grupal que vai modular atitudes de risco. Se for legítimo se comportar desse modo é muito menos provável que se pondere as consequências.
Não posso terminar esse artigo sem considerar que o mundo contemporâneo tem sido uma fonte de estresse particular para os adolescentes e jovens. Eles enfrentam a tarefa cada vez mais complexa de integrar as suas necessidades psicológicas de afiliação, ligação e pertencimento com a sobrevivência económica e uma definição de sucesso cada vez mais pesada. Os sistemas familiar, escolar, comunitário, jurídico e médico que os adolescentes utilizam para recolher os dados de que necessitam para o mundo adulto em que estão prestes a entrar, são cada vez mais instáveis. Há ainda o isolamento induzido pela percepção de insegurança social e uma a socialização cada vez mais mediada pelo mundo virtual onde predomina uma tendência de narcisismo exacerbado e intimidade instantaneamente exposta. São fatores que certamente contribuem para as dificuldades emocionais desse período.
Possibilidades
Historicamente, a juventude encontra-se num limbo para as Ciências “Psi”. Poucos autores se arriscaram a algumas pinceladas sobre essa fase da vida. Isso se relaciona de alguma forma com a percepção de que a infância seria a fase da prevenção e a fase adulta seria o tratamento. Evidências em desenvolvimento cerebral certamente devem ser integradas ao campo da Psicologia e suas práticas: trata-se de um período de robustas modificações microestruturais que moldam percepções e são também moldadas ambientalmente. As experiências vividas durante esta fase refletem na regulação de recompensas e motivação ao longo de toda vida adulta. Modelos terapêuticos para esta faixa-etária consideram conhecimentos e competências especializadas e estratégias funcionais relativas ao contexto subjetivo de adolescentes e jovens. Enfrentar dificuldades de maneira assertiva nessa fase, a que tudo indica, tem impacto decisivo.
Fontes:
[1] UHLHAAS P.J. Towards a youth mental health paradigm: a perspective and roadmap. Mol Psychiatry. 28(8):3171-3181. 2013.
[2] LARSEN B., LUNA B. Adolescence as a neurobiological critical period for the development of higher-order cognition. Neuroscience and Biobehavioral Reviews. 2018.
[3] BLAKEMORE S. J, MILLS K.L. Is adolescence a sensitive period for sociocultural processing? Annu Rev Psychol. 65:187-207. 2014